Arthur Virgílio Filho

Meu pai, Arthur Virgílio Filho, criador da Universidade Federal do Amazonas e um dos mais notáveis oradores que já passaram pelo Senado, morreu duas vezes em 31 de março: quando se instalou, no Brasil, a ditadura de 20 tenebrosos anos. E morreu, dignamente, depois de lutar, com bravura, contra um câncer devastador.

Morreu sereno, corajoso, como quem tivesse – e tinha – um compromisso com o destino. Honrou todos os amazonenses, com sua inata disposição de luta espartana. Nossa mãe, Isabel Victória, seu amor desde a juventude, e Marlene, sua companheira dos últimos momentos, se uniram para lutar ao lado do guerreiro. Meus irmãos Ana Luíza, Júlio Verne, Ricardo Arthur, demos todo o amor que ele sempre mereceu. Nós o amávamos, seguíamos, respeitávamos e admirávamos.

Foi presidente da Assembléia Legislativa, Secretário de Fazenda e de Interior e Justiça. Como deputado Federal, foi vice- líder e líder do PTB e vice-líder do governo Juscelino Kubitscheck. E integrou, ardorosamente, o chamado Grupo Compacto, formado por deputados nacionalistas como ele próprio, Almino Affonso, Bocaiúva Cunha, Néstor Duarte, Oswaldo Lima Filho e tantos outros que, como ele, pagaram o preço de enfrentar o regime de força desde o início dos anos 50, até o último suspiro, em 84, da ditadura de 1964.

Arthur se elegeu senador, foi líder do governo João Goulart e, ao mesmo tempo, do PTB também. Eleito em 62, assumiu em 63 e foi cassado, com seus direitos políticos suspensos por 10 anos, em 7 de fevereiro de 69, pelo horrendo Ato Institucional número 5. Ele, Carlos Lacerda (o maior orador que este país já revelou), Mário Covas, Mário Martins, Bernardo Cabral e outros patriotas mais.

Queria que todos lessem os discursos de Arthur de antes um pouco de a ditadura se implantar. E sobretudo aqueles dos primeiros dias de abril de 64, o Congresso cercado por forças militares e, no plenário, a voz tonitruante do caboclo amazonense, silenciando os murmúrios dos “vencedores”.

Havia 63 senadores. 61 rasgaram a Constituição, à revelia da própria Carta Magna, o general Castelo Branco ditador-‘presidente’ do Brasil. Somente dois votaram contra: o digno baiano Josaphat Marinho e o amazonense Arthur Virgílio Filho que, depois de votar, renunciou à liderança do seu partido : “Sr. Presidente, esta Casa, hoje, se agachou perante o arbítrio. Voto por mim mesmo e não pela minha bancada, que se ajoelhou. Hoje, sou um líder sem liderados e voto pela legitimidade do mandato do presidente João Goulart, contra Castelo Branco e contra a ditadura”.

Escrevo chorando esta homenagem ao meu “velho”, que morreu tão moço, aos 66 anos.

Quando da decretação do Ato Institucional número 2, que acabava os partidos políticos, Arthur se pronunciou: “ninguém me calará pela força. Que fechem o Congresso agora, com a oposição consagrada pelo povo que reconhece a nossa resistência. Que não nos fechem amanhã, sob os aplausos desse mesmo povo, que não tolera a covardia”.

Um dos seus últimos atos foi participar ativamente da Frente Ampla liderada por Jango Goulart, Juscelino Kubitscheck e o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que eram os maiores líderes brasileiros. Lacerda rompera com o golpe e se reencontrava com os ideais democráticos.

Nossa casa no Rio foi invadida, em 3 de abril de 64, pela polícia política estadual. Meu pai chamou Lacerda em particular e lhe pediu que o fitasse nos olhos e dissesse se tinha ou não ordenado a invasão de nossa casa. Lacerda, com firmeza, disse que, sob riscos, foi buscar JK no aeroporto e o acompanhou em depoimento à Polícia Federal.

Afirmou que admirava meu pai e que as invasões de domicílios de adversários eram coisas de Borges e Borer, dois animais sobreviventes da ditadura varguista. Trocaram um abraço e lutaram muito. O Brasil estava conflagrado: nós, estudantes, em batalhas duras contra as forças repressivas, passeatas de 50 mil, 100 mil pessoas, atores e atrizes, cantores famosos se juntavam a nós, aos trabalhadores que despertavam de uma letargia, de notáveis personagens da sociedade civil como Sobral Pinto.

Um senador cretino disse ao meu pai que eu só atrapalhava a vida dele. Resposta: “meta-se com sua vida. Minha cassação é questão de horas, dias, semanas, talvez até meses. Deixe meu filho voar”.

São 36 anos sem a presença desse herói brasileiro, que era pai carinhoso e exemplo valioso para Ana, Júlio, Ricardo e para mim.

Meu pai, por outro lado, é imortal para nós, que podíamos tocar nele, abraçá-lo, beijá-lo. Mas, hoje, podemos lê-lo, falar sobre ele, cultua-lo.

Sou filho de um homem incomum. Sou filho de um HOMEM: A CARA DA CORAGEM, DA GENEROSIDADE, DO PERDÃO E DA RESISTÊNCIA!

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