Só no Amazonas, o aumento de agressões contra a mulher no período da pandemia foi de 34%, com o registro de 6 mil casos a mais que os registrados em 2019

Esta semana tive a honra de participar do Webinar ’15 Anos da Lei Maria da Penha’, promovida pelo Núcleo de Educação Política e Renovação do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR), coordenado por mim. Estive ao lado de duas mulheres excepcionais e empoderadíssimas, a ministra do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, única mulher a integrar esse tribunal e também a primeira em presidi-lo ao longo dos seus mais de 200 anos de existência, além da presidente do PSDB Mulher-AM, Conceição Sampaio, que já foi deputada estadual e federal e secretária municipal.

Durante o debate chegamos a algumas conclusões como, por exemplo, que há inúmeros avanços que a Lei Maria da Penha trouxe no combate à violência doméstica, mas ainda existe um largo e árduo caminho a ser percorrido para garantir a equanimidade. As mulheres continuam sendo vítimas de violência física, psicológica, sexual e patrimonial. Só no Amazonas, o aumento de agressões contra a mulher no período da pandemia foi de 34%, com o registro de 6 mil casos a mais que os registrados em 2019. Então é preciso garantir o que já foi conquistado e avançar mais ainda.

A Lei Maria da Penha, considerada pela Organização das Nações Unidas como a terceira melhor legislação do mundo de proteção e garantia dos direitos da mulher, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, consagrando os dispositivos da Constituição Federal brasileira, da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e, também, da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Violência contra a Mulher. Entre as medidas, estão a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, alteração do Código de Processo Penal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal.

Os benefícios são imensos, como a criação de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica; reforço das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência doméstica e familiar; prevendo, ainda, uma série de medidas de caráter social, preventivo, protetivo e repressivo. Por meio da Lei Maria da Penha foi possível definir diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, e aí está um dos maiores avanços: o reconhecimento da obrigação do Estado em garantir a segurança das mulheres nos espaços públicos e privados, tanto na prevenção e atenção ao enfrentamento da violência, quanto ao atendimento às mulheres vítimas.

Aqui abro um parêntese para dizer o que fiz, como homem público e governante de uma cidade como Manaus, como política pública voltada para mulheres. Criei a Subsecretaria Municipal de Políticas Afirmativas para as Mulheres, em janeiro de 2017, integrada à Secretaria da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos, tão brilhantemente conduzida pela nossa debatedora Conceição Sampaio, na formulação e execução de ações voltadas para a prevenção, combate e enfrentamento à violência, por meio de assistência social e jurídica, além de acompanhamento psicológico das mulheres em situação de violência doméstica.

Criamos a primeira Unidade Móvel de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, ampliando a rede de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e ampliamos a divulgação de informações em prol da disseminação da Lei Maria da Penha e outros direitos constitucionais, em parceria com instituições e movimentos ligados às políticas de trabalho, educação, saúde, moradia, meio ambiente e justiça. Também promovemos a emancipação feminina por meio da realização de cursos de qualificação, visando à geração de renda e o empreendedorismo, trabalhando junto a mulheres que não conseguiam se libertar da violência e abusos dos parceiros por uma questão de sobrevivência econômica.

Além disso, o programa habitacional do município, criado em nossa gestão, priorizou o título dos imóveis em nome das mulheres, por considerar que elas são as principais protetoras da família, sobretudo em caso de separação, assumindo a guarda dos filhos.

É assustador que, em pleno século 21, a violência contra a mulher, no âmbito familiar ou extrafamiliar, ainda seja tolerada pelo poder público e ainda se apresente como o maior empecilho para superar as desigualdades de gênero, porque subtrai ou impede os direitos e as liberdades de mulheres e meninas. Ainda há abismos enormes, e isso nos remete, também, aos aspectos culturais, sociais e econômicos, em um país como o Brasil, que ainda tem fortemente impregnado a fictícia superioridade masculina, em seus vários aspectos. O machismo e o patriarcado, mesmo arcaicos e obsoletos, ainda regem as relações sociais e precisamos dar um basta a isso, porque essa é a fonte da iniquidade entre gêneros e está no subjetivo da relação entre homens e mulheres, com a violência perpetuando as desigualdades e impedindo o pleno desenvolvimento das mulheres em todos os aspectos da vida.

*Diplomata, é diretor do Núcleo de Educação Política e Renovação do CPJUR – Centro Preparatório Jurídico, foi deputado federal e senador, líder por duas vezes do governo Fernando Henrique, Conselheiro da República, ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência, líder das oposições no Senado por oito anos seguidos, três vezes prefeito da capital da Amazônia.

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